O Passado Me Viu Passar

O passado sempre volta ao presente, assim como o futuro se apresenta no agora em forma de sonhos e desejos. Não há tempo fixo quando a memória se move. O que já foi se arrasta com passos mansos pela calçada da lembrança, às vezes vestindo perfume bom, às vezes com cheiro de quarto trancado. O passado traz coisas demais: dores, amores, alegrias, feridas que a gente jurava cicatrizadas mas que ainda latejam de leve, num silêncio que só a noite sabe traduzir. Confrontar o passado é conversar com um fantasma que ainda usa sua roupa, é revisitar uma casa que já não tem móveis. É saber que aquele “você” de antes não te pertence mais — mas ainda olha por entre as frestas. E aí é que vem o espanto: quando você não só olha pro passado, mas percebe que ele também te encara. O que será que ele vê quando te vê passar? Vê alguém melhor? Pior? Vê alguém cansado ou alguém que finalmente aprendeu a andar sem tropeçar sempre no mesmo erro? Será que o passado sente orgulho ou se esconde atrás da porta com vergonha do que ajudou a construir? Talvez ele sinta inveja, talvez um alívio danado. Ou só balança a cabeça e diz: “enfim, você veio”. O confronto é inevitável. E necessário. Porque enquanto não olhamos nos olhos daquilo que nos moldou, seguimos sendo moldados. O tempo todo. O tempo inteiro. Mas quando paramos, mesmo que por um segundo, e encaramos o reflexo do que fomos, há uma chance. Pequena, mas real. De sermos inteiros. De sermos agora. De sermos, enfim, aquilo que nem o passado conseguiu prever..

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